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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A cartomante

Assim dizem os padres nas cerimônias de casamento por esse rincão a fora: “O que Deus uniu o homem não separa!”... Será verdade? João ficava se perguntando por que tudo aquilo estava acontecendo com ele. Quase 25 anos de casamento e tudo foi por água abaixo. João se lembrava de cada detalhe daquela triste tarde de inverno quando tudo aconteceu.  
- O que você está fazendo, João? Perguntou seu amigo de cela. Você é teimoso como uma mula. Chega de ler estes rabiscos e esquece esta tipa que te desgraço a vida, tchê!!
- Bá, tchê! Não é tão fácil assim. Foram anos ao lado desta prenda que eu tanto amava. A desgraçada daquela cartomante estragou nossa vida. Pra que fui dar ouvidos aquela velha.
- Tchê, escuta! Esquece tudo isso! Fica em paz!
João sempre se lembrava do seu triste passado ao lado da sua prenda. Eles moravam na zona rural de Bagé. Um casal apaixonado que se deixou levar pelas intrigas e pelas falsas previsões de uma velha caloteira que se dizia cartomante.
No início de 2001, Antônia, que antes era apenas do lar, resolveu conseguir um emprego para ajudar o marido nos gastos da casa. A lida no campo já não era lá essas coisas, já não estavam tendo tanto lucro como era antigamente. Foi então, que Antônia resolveu a voltar a estudar. Com muito sacrifício conseguiu formar-se em Letras. Em seguida, por ser muito inteligente, conseguiu passar em concurso público. O marido continuava na sua lida no campo, sempre incentivando a mulher.
O casal seguia sua vida, felizes e apaixonados e, agora, com a ajuda de Antônia, a renda da família havia aumentado e eles viviam bem melhor. Mas, como em todas as cidades pequenas, a vizinhança falava de mais e se metia na vida dos outros. Afinal, num lugar pequeno, não tinham muito que fazer, a não ser cuidar da vida alheia.
Dois anos após estar formada e já trabalhando, Antônia foi selecionada para trabalhar como tutora presencial no Pólo de Ensino de sua cidade. Aquele trabalho iria ajudar ainda mais na renda do casal. O único problema é que Antônia precisaria ficar o mínimo de 20 horas conectada na Internet. Outros comentários começaram a surgir. Um dia, quando João foi ao mercadinho comprar uns cacetinhos para o café, ele ouviu quando dona Rebeca, uma fofoqueira de primeira dizer: “Coitado! Além de guampudo, fica enchendo a mulher de presente. Aquela mulherzinha é uma bisca!”
João virou-se para responder à fofoqueira, mas, como era um gaúcho muito esquentado, achou melhor esquecer o que ouvira. Afinal, amava sua mulher! Seguiu meio cabresto, com a pulga atrás da orelha. Mas as palavras ficavam revoltando seu estômago.
Os dias foram se passando. Antônia estava feliz com o novo trabalho. Agora, passava horas no computador. Orientava e conversava com os alunos on line. Como era muito atenciosa, muitas vezes recebia mensagens de agradecimentos dos seus alunos. Havia um tal de Augusto, aluno do curso, que seguidamente ligava para Antônia, conversava com ela no MSN. Contudo, todas as conversas eram a respeito do curso.
O marido começava a acreditar nas fofoqueiras daquele lugarejo, pois, na sua inocência de homem do campo, pouco entendia sobre aquelas tecnologias, toda aquela modernidade relacionada à Internet. A mulher, que antes estava sempre ao seu lado na hora do mate, na bagunça com a piazada, Pedrinho, Joca e Gugu, seus três lindos filhos, agora passava várias horas na frente do computador. Antônia agora se dedicava ao seu trabalho a distância que muito ajudava na renda da família.
Passaram-se alguns meses. A vida daquela humilde família continuava e junto, as fofocas, os burburinhos daquele lugar. Um dia, numa de suas vindas a Bagé, quando João foi vender alguns produtos do campo na cidade, chegou até a porta de uma velha trambiqueira que, quando percebeu que João se tratava de um homem simples do campo, com pouca instrução e fácil de ser enganado, lhe disse:
- Boa tarde, o senhor não é daqui? Mora pra fora?
- Sim, moro perto de Bagé, na campanha, na Nova Esperança.
Acostumada a viver enganando os outros, Neiva olhou para João e lhe disse:
- Percebo que o senhor carrega consigo uma tristeza, algo muito ruim. O senhor está bem?
- Sim, quer dizer, mais ou menos... Por que a senhora está me dizendo estas coisas, dona?
- O senhor me desculpa, eu não devia ficar dizendo estas coisas, afinal o senhor não me conhece. Mas sou uma cartomante, uma vidente, alguém que pode, graças a Deus, prever o futuro dos homens.
- Ah, minha senhora! Desculpa, mas eu não acredito nesses troços de vidente. Pra mim, só quem sabe do futuro é o véinho lá de cima.
A mulher, muito esperta, observa que o pobre homem trazia uma feição preocupada e quando olha para sua mão, resolve plantar verde pra colher maduro e lhe diz:
- O senhor está passando por problemas no seu casamento! Parece preocupado com alguma coisa!
Na sua ingenuidade, sem se dar conta que a velha havia notado sua aliança na mão esquerda, diz:
- Como a senhora sabe que sou casado? É verdade, ultimamente estou um pouco atordoado com umas ideias bestas! Bobagens!
- Será mesmo? Percebendo a tristeza que João havia ficado quando falou da mulher, a velha seguiu indagando do pobre infeliz. – As pessoas falam muitas coisas mesmo, mas sabe como é: onde há fumaça, há fogo. O senhor quer conversar um pouco, nem vou lhe cobrar, quero apenas lhe ajudar. Entre, fique à vontade, quero lhe ajudar. Conversar alivia a alma e o coração. Vamos! Entre!
- Tá bom, mas não posso me demorar, minha senhora.
- Não, não se preocupe. Logo, logo o senhor ficará melhor. Quantos anos o senhor está casado?
- Mais de 25 anos com a mesma prenda, graças a Deus.
Mais uma vez, a velha tenta mostrar para João que realmente sabe muito. Pergunta pelas crianças, já que o casal está junto há muito tempo, são humildes, de campanha, certamente eles têm filhos.
- E as crianças, dão muito trabalho não é mesmo!
- Meus filhos? Ah, sim. Dão trabalho, mas são a minha vida, a senhora sabe?
- Claro que sei! Os filhos são a alegria do casal. Mas... quando o casal não está bem, fica complicado, não é mesmo?
Pobre João! Estava caindo no golpe da falsa cartomante!
- Pois é, tenho andado desconfiado. Sabe como é, dona, o povo fala tanta barbaridade, que às vezes eu fico meio revoltado com tudo e me dá vontade de larga tudo e segui minha vida solito no más.
 - Olha, eu não queria lhe dizer. Mas, as cartas não mentem. Preste muita atenção. O senhor deve ficar atento naquilo que os vizinhos dizem. Pode ser que eles estejam vendo o que o senhor não quer ver. Sua esposa está dando atenção demais aos outros e está esquecendo da  vida em família.
- É verdade, Antônia anda esquecendo da lida de casa. Passa o dia naquele computador!
- Humm... O que ela faz no computador?
- Ela trabalha de longe, sabe?
- Ah, trabalho a distância! Com um ar de deboche, completa. – Sei,  direto no computador,  conversando e, claro, trabalhando. Sei!! Mas o senhor tem vigiado com quem ela conversa?
- Ora, minha senhora! Com os alunos do tal curso!!
- O senhor tem certeza? Disse a velha duvidando do que o marido afirmava>
- Sim, quer dizer. Eu acho que sim. A verdade é que o povo fala que minha esposa anda me traindo naquela máquina, aquela porqueira de computador!!
- O senhor devia verificar isso. É o que eu acho! Fique mais atento, homem! Hoje em dia se faz tanta coisa a mais do que trabalhar pelo computador! Pense nisso!!
- Eu vou indo, dona. Ainda tenho muita lida pra fazer. A senhora me desculpa, mas tenho que ir!!
- Tudo bem, meu senhor! Bom, eu lhe disse que não cobro nada, mas, sabe como é, eu vivo disso, se o senhor puder deixar uma gorjeta qualquer, eu aceito...
- Olha, dona, eu to com poucos pila na buchaca. A esperta não desistiu de extorquir João e lhe diz:
- Não tem problema! Façamos assim, fico com um saco de milho para as minhas galinhas, umas dúzias de ovos. Ah, adoro ovos de fora! E aceito uns muganguinho também!
- Tá bem, senhora! Ficamos quites, então! Até logo, dona!!
João saiu daquele lugar pensando no que ouvirá da falsa cartomante. Muitas coisas passavam por sua cabeça. Será que a mulher o estaria traindo? Deveria ficar mais atento?
- Ai, meu Deus! Me tira essas ideias da cabeça!
Assim, partiu para casa. Quando entrou, chamou por Antônia e nada, ninguém respondia. Muitas besteiras lhe passavam pela cabeça. Tudo que a cartomante lhe disse...
- Antônia, onde você está? Neste momento a esposa sai do quarto, onde ficava o computador usado que o marido comprara para ela.
- Olá meu velho! Achei que ia chegar mais tarde! Que bom que já está em casa!
João a beijou e seguiu para o quarto. O que Antônia estaria fazendo? Por que demorou tanto para aparecer? Com quem falava quando ele chegou? Entrou no quarto e a caixa de mensagens estava aberta. Começou a ler.
- “Querida Antônia”! Você é uma pessoa muito especial! Graças a Deus encontrei você no meu caminho. Já havia desistido dos estudos antes e, com a sua ajuda, nunca mais vou pensar em desistir. Beijo. Augusto Machado!” – O que é isso Antônia? Você tá me fazendo de corno, mulher?
Desesperada, Antônia corre até o quarto:
- O que foi, João? Por que está gritando desse jeito?
- Quem é esse quéra? Quem é esse filha da mãe que te mando isso?
- Calma, João! É um aluno do curso que está indo muito bem e que está agradecendo pela atenção que dei a ele, como dou para todos os alunos!
- Mulher, não venha com conversa fiada!!!
- Pára, João! Deixa de ser ignorante, meu velho! Você não está falando coisa com coisa! Parece que não me conhece!!
- Ah, me desculpa, minha velha! Eu estou muito nervoso! Sou um velho bagual mesmo. Desculpa, Antônia. Sei que é seu trabalho!!
João pediu desculpas para a mulher, mas não conseguia de parar de pensar no que a cartomante havia dito. Pensava sobre cada palavra e juntava com o que aquele povo falava.
Depois da ida a casa daquela cartomante, João nunca mais foi o mesmo. Desconfiava de tudo. Imaginava mil coisas e começou a ter um ciúme doentio pela mulher. As brigas eram constantes. O casal já não vivia como antes. Os carinhos, o amor, agora se resumia em discussões, ofensas e muitas lágrimas.
Quatro anos se passaram e chegava então o dia da formatura do curso que Antônia era tutora. Ela fora escolhida para ser a paraninfa da turma, pois além de ser uma excelente profissional, era uma pessoa bastante articulada.  O aluno era o orador da turma e, durante sua oratória, para felicidade de Antônia e infelicidade do marido, resolve, em nome da turma, prestar uma homenagem especial a Antônia. Cada palavra dita, cada elogio, fazia com que os nervos de João fervessem. A raiva, a fúria tomava conta de seu coração. Com tudo aquilo guardado há muito tempo dentro de si, João levanta-se, olha com raiva para o rapaz. Quando este termina sua oratória, João, que sempre estava armado, dispara cinco tiros em sua direção. O corpo do rapaz fica estendido no chão. João não se move, enquanto que todos se atiram apavorados no chão, gritando e chorando por aquela triste cena.
João, apenas repetia uma única frase: “O que Deus uniu, o homem não separa!”

 Autores: Margarida, Núria, Samuel e Tirzan

Um comentário:

  1. Queridos alunos,
    Parabéns pelo texto e pela proposta de intertextualidade!
    Foram atendidas as solicitações de forma integral. O texto produzido traz, com humor, o drama da desigualdade de gênero em uma perspectiva cultural contemporânea; bem como a desconfiança sobre a capacidade de prospectar sem as bases da ciência.
    Um abraço!

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